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Rumo aos R$ 100 mil: vem aí o elétrico ‘popular’. Será?

Reportagem Luca Cereda e Flávio Silveira
Texto adaptado Flávio Silveira
Projeções Marcelo Poblete

Se um carro elétrico custasse menos de R$ 100 mil, você o compraria? Alguns fabricantes apostam que sim. Por isso, se preparam para lançar – entre o próximo mês e os próximos dois a quatro anos, uma leva de novos que, teoricamente, podem democratizar a mobilidade elétrica. Eles pretendem se posicionar abaixo dos modelos mais baratos vendidos hoje, com preço dos carros a combustão equivalentes. Resta saber se isso se concretizará – principalmente no Brasil, um país com poder de compra muito baixo. Hoje, o veículo elétrico mais em conta vendido por aqui ainda custa R$ 119.900 – e não vale tudo isso.

O problema é que, não faz tanto tempo assim, várias marcas conseguiam vender carros de entrada por metade deste valor, então é difícil aceitar que, por um mesmo produto (um carro compacto), é preciso pagar o dobro.

Mas todos os automóveis, mesmo aqueles com motor a combustão, estão de fato ficando mais caros, com preços inflacionados pela tecnologia embarcada e pelos custos de materiais e mão de obra (isso para não falar na estratégia generalizada, e parcialmente obrigatória, dos fabricantes de automóveis de se concentrarem nas margens de lucro, e não nos volumes).

As pesquisas mostram que o desejo de “se eletrificar” existe, mas os números não batem. Algo mudará? Veremos. O otimismo dos que apostam na eletrificação é grande: o BEV de R$ 100 mil pode gerar um encontro virtuoso entre oferta e procura, colocando em circulação um bom número de veículos a bateria – garantindo um lucro suficientes para a sustentabilidade (econômica) dos elétricos “pop”.

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Certamente não faltarão produtos.

Reunimos aqui alguns dos que estão chegando, mas os planos podem mudar conforme os elétricos evoluírem no mercado (também o de usados).

Citroën C3

(Divulgação)

A Citroën saiu na frente, ao menos na Europa, – com o ë-C3 (o carro vermelho acima), baseado no “nosso” C3, e que pode chegar ao Brasil antes do que se espera. Ele é, à moda da marca francesa, um manifesto pelo carro elétrico popular. Dizemos isso devido à filosofia com que foi construído (estratégias industriais, otimização de custos e processos, etc.) e às suas características técnicas.

É um carro global, com plataforma projetada tanto para baterias quanto para motores a combustão. Para os brasileiros, o C3 não é novidade, e sua “forma” também já é explorada em outros mercados na Ásia e na América do Sul.

É mais ou menos o que a Renault fez com seu Dacia Spring (que aqui se chama Kwid E-Tech), feito com base no Kwid. Deste modo, é possível amortizar os custos de uma plataforma que, no caso da Stellantis, irá gerar sinergias as diversas marcas do grupo.

• Mas o preço “agressivo” do ë-C3 ainda está bem acima de R$ 100 mil (128 mil, em conversão direta). Isso se deve em parte a características como o tamanho e a química das baterias. As de fosfato de ferro-lítio de 40 kWh – com densidade menos favorável, porém mais baratas – já viraram referência para os BEVs baratos.

• O que afeta seu desempenho: o francês tem autonomia de pouco mais de 300 quilômetros (europeu, aqui seriam menos de 200) e velocidade máxima de 135 km/h.

• Na versão básica, não tem multimídia, substituída por um suporte para smartphone que se transforma em multimídia com um aplicativo (reciclaram o sistema horrível do Mobi!). Mesmo assim, será bem difícil custar menos de R$ 100 mil aqui.

Fiat Panda/Uno

A mesma receita do ë-C3 está pronta para ser replicada pelo grupo Stellantis. Como anunciado na revelação dele, o principal ingrediente é a nova plataforma Smart Car, que vai dar origem a sete modelos. Alguns serão difíceis de ver por aqui, como Opel Corsa e Alfa Milano, mas haverá também um que muito nos interessa: o herdeiro do Fiat Panda, que será apresentado em julho e tem grandes chances de produção nacional.

(Divulgação)

O Panda italiano (acima, como o imaginamos) seria ideal para a Fiat relançar o Uno no Brasil. Com a base do C3 disponível no país, não seria complicado. Mas a marca também fala muito em híbridos a etanol, então não vamos nos animar. 

Seria o retorno do “Uno Europeu”, que poderia ser vendido aqui, igual ao novo Panda europeu, mas com o nome (e fama) que conquistaram os brasileiros: mais que um carro, é uma ideia, uma síntese de soluções práticas, brilhante na simplicidade.

A quarta geração nascerá desses valores, como um BEV acessível, mas modular, podendo ser “enriquecido” de acordo com as necessidades e os gostos individuais e cheio de funcionalidades modernas.

O segredo está justamente na base mais barata que as do 500e e do Peugeot e-208 (a e-CMP “original”). Entre os resultados de sua adoção, está o aumento no tamanho – pela primeira vez, se aproximará de quatro metros (o Uno tinha 3,60 a 3,80 m).

O design, conforme informações apuradas de nossa parceira Quattroruote, se inspiraria no conceito Centoventi, mas com um toque de SUV urbano, como mostra nossa projeção acima.

Renault R4 e R5

Nossa projeção do hatch Renault R5 (Crédito:Divulgação )

Outro grupo francês forte no Brasil, o Renault, apostará, entre meados deste ano e o do próximo, nos remakes dos famosos R5 (em nossa projeção acima) e R4 (o SUV bege da abertura da reportagem). Eles revivem modelos do passado e são carros de entrada, mas diferentes.

O “quatro” tem mais a cara do mercado brasileiro, pois é um “jipinho”. O espírito do pequeno carro que Régie construiu e difundiu pelo mundo entre os anos 1960 e o início dos anos 1990, quando virou ícone, vai entrar na era da eletricidade. O novo Renault retomará a vocação universal e a carroceria vertical do antecessor, mas não será espartano.

• Terá estilo requintado e muita tecnologia a preço acessível, porém acima dos R$ 100 mil: cerca de R$ 140 mil.

• O comprimento deve ir além dos 4,06 metros do protótipo 4Ever Trophy do Salão de Paris de 2022, e tem boa chance de ser feito no Brasil.

• O pequeno SUV compartilhará a base com outro elétrico compacto: o Renault 5, um hatch com linhas esportivas e balanços curtos. Ambos terão carregamento bidirecional, podendo transferir energia para a rede elétrica (vehicle-to-grid).

• E quando se fala na plataforma CMF-B EV, a regra é clara: bateria mínima e aproveitamento máximo. Esperamos uma com 40 kWh, de NMC (níquel-manganês-cobalto). Mas, antes de ampliar a gama (pra baixo), deve estrear com a de 50 kWh, para “vender” a autonomia maior.

O baby-BEV pode beirar R$ 150 mil, bem acima de nosso “preço-alvo”. Até porque, segundo o CEO da marca, Luca de Meo, o principal objetivo será disponibilizar planos com prestações mensais, como as de um carro a combustão, já que “hoje quase ninguém compra carro à vista”.

Nissan March/Micra

(Divulgação)

O Nissan March (Micra na Europa) nunca teve aqui o sucesso que teve lá. Mas tudo depende dos rumos do mercado: a nova geração a bateria seria uma opção para trabalhar no Brasil junto com a parceira Renault, dividindo custos para maximizar lucros.

Na mesma plataforma dos Renault R4 e R5, graças à aliança entre as duas marcas, nascerá um carro da Nissan: o novo March (que se chama Micra na Europa). O modelo já foi vendido aqui, inclusive com fabricação em Resende (RJ). Na França, a produção será conjunta com a do R5, mas só a partir de 2026.

Serão parentes muito próximos – o que no Brasil permitiria às marcas trabalhar com diferentes polos, produzindo-o em Resende (RJ) e/ou em São José dos Pinhais (PR). Não têm só a estrutura comum – a plataforma CMF-B EV, 70% similar à CMF-B já implantada no Paraná. Terão cerca de 80% de suas peças compartilhadas, o que diz muito sobre a oportunidade dos fabricantes amortizarem custos com a operação.

Mas o novo March/Micra não será um projeto tecnicamente pobre.

• Os dois terão basicamente o mesmo hardware, com o mesmo motor síncrono do Megane, porém com potência menor, na faixa de 140 cv. Deve ser a única opção, a princípio.

• Mas a bateria deve variar, com uma opção para uso urbano e uma maior, de 60 kWh, para a estrada, garantindo uma autonomia de cerca de 400 quilômetros.

• Dirigimos uma mula do R5 e admiramos o eixo traseiro multilink, rara vantagem técnica no segmento B, da qual seu primo asiático também deverá se orgulhar (a menos que a Nissan prefira uma solução mais econômica para conter custos e preço).

• Outra questão em aberto é a do nome. A Nissan falou em “elétrico compacto” ou “herdeiro do Micra”. Mas as vendas dele não vão bem. E agora? Virar a página ou tentar reviver as glórias?

Volkswagen ID.2

Nossa projeção do VW ID.2 (Crédito:Divulgação )

A marca alemã fez do preço o grande chamariz de seu futuro compacto elétrico, levantando a hipótese de um deles ir abaixo dos R$ 100 mil (ou € 20 mil). Seria o ainda hipotético ID.1, cuja viabilidade está sendo estudada. É um projeto ainda mais ambicioso que o ID.2 ilustrado por nós acima, que ficará, ao menos a princípio, na faixa de € 25 mil (R$ 135 mil), antecipado pelo conceito ID.2ALL.

Neste último caso, falamos de um carro com pouco mais de quatro metros de comprimento, construído sobre uma versão com tração dianteira da plataforma MEB.

• Não por acaso, o protótipo tem visual de Polo “versão 2.0” e porta-malas grande.

• Acima de tudo, promete autonomia de 450 quilômetros no ciclo WLTP (uns 300 no PBEV), o que, se confirmado, tornaria o ID.2 muito competitivo em seu segmento.

As chances de fabricação no Brasil? Seria ideal, mas é pouco provável, já que a marca está apostando em híbridos a etanol.

O fator Tesla…

Até agora, a busca pelo carro elétrico “popular” parece ser uma corrida de marcas generalistas, enquanto os fabricantes premium atuam em segmentos mais elevados para maximizar suas margens de lucro.

Mas sempre há uma exceção – e aqui ela responde pelo nome Tesla. A marca americana parece estar disposta a trocar lucros por volume, como demonstrou com as políticas agressivas de preço com o Model 3.

A segunda fase da ofensiva envolve um modelo até agora invisível: o Tesla de US$ 25 mil (ou R$ 120 mil), anunciado em 2020, prometido para 2023, mas que ainda está por vir (como todo projeto da Tesla, parece que vai demorar a vingar).

Sua gestação, além de longa, é polêmica: Elon Musk, depois de alardeá-lo, decidiu cancelar os planos. Além disso, o design aparentemente será inspirado no Cybertruck, então não deve agradar a todos.

O estilo disruptivo – aliado à perspectiva de ter uma plataforma com elevada automatização, desenvolvida em paralelo para ser também um robô-táxi, teria convencido o chefão a dar luz verde.

Mas é preciso conter custos: o Tesla “pop” se beneficiará de processos industriais otimizados e de baterias baratas de fabricar. Quando? Depois de 2026. Há perspectiva de uma nova fábrica no México, e o Brasil pode entrar na rota. Afinal, a arquirrival BYD está ganhando mercado na América do Sul…

BYD Dolphin Mini oficial, que deve chegar em março (Crédito:Divulgação )

…e o fator BYD

Falando na chinesa Build Your Dreams, muitos não contavam com ela nessa corrida pelo elétrico de R$ 100 mil. A BYD, ao menos no Brasil, quase certamente vai ganhar a corrida dos elétricos baratos em fevereiro ou março, com um hatch menor que o “fenômeno” Dolphin – que elegemos Compra do Ano 2024 e está ganhando a disputa: está muito acima dos R$ 100 mil, mas, por R$ 150 mil, tem o melhor custo-benefício do mercado (por isso é o elétrico mais vendido do Brasil).

A novidade foi lançada na China, onde se chama Seagull, mas, com o sucesso do irmão, aqui deve se chamar Dolphin Mini. É o modelo na foto acima, que não é segredo para ninguém. O alvo é exatamente o valor no título dessa reportagem, mas pode ficar uns R$ 10 mil acima disso devido à nova tributação anunciada de surpresa pelo governo.

Se quiser, por questões de marketing, lançá-lo por menos, até pode: a BYD até tem cacife para segurar o preço, ou perder dinheiro para ganhar mercado, já que está montando sua fábrica na Bahia (onde ficava a Ford) e tem como objetivo máximo, hoje, se expandir e continuar à frente da Tesla em vendas de elétricos, na liderança que acaba de conquistar.

Ainda assim, o Dolphin Mini deverá chegar como o elétrico mais barato do mercado brasileiro. Não é pouco, ainda mais se mantiver as qualidades construtivas e a dirigibilidade agradável do “golfinho” original.

• Com 3,780 metros de comprimento, 1,771 de largura, 1,540 de altura e 2,500 metros de entre-eixos, ele deve ter versões de quatro ou cinco passageiros e um porta-malas diminuto, com cerca de 200 litros.

• Potência e torque devem ser os mesmos da versão chinesa: 74 cv e cerca de 130 Nm (o Kwid E-Tech tem 65 cv e 110 Nm) e a bateria tem 38,8 kWh, o suficiente para rodar uns 250 quilômetros.

• Entre os itens de série, o chinês pode ser feito no Brasil em breve e deve ter quatro airbags, além de piloto automático, carregador de celular por indução, faróis de LED, assistente de estacionamento e cluster 100% digital.

Deve se tornar referência para os elétricos populares, o que todos tentarão imitar – e superar.

Renault Twingo

(Divulgação)

Depois do R5 e do R4, a “redescoberta” do passado pela marca francesa vai continuar em 2025 com um novo Twingo, totalmente elétrico. Ele partirá de valores abaixo de € 20 mil (aí, sim, R$ 100 mil), mas, ao menos na Europa, a Renault também pretende oferecê-lo por uma mensalidade de € 100, o que colocaria o pequeno carro abaixo do teto planejado pelo governo para tornar os elétricos acessíveis a famílias de baixa renda.

O estilo do conceito já mostrado pela marca ecoa o da primeira geração, tanto nas linhas mais arredondadas da carroceria quanto nos detalhes como os faróis com LEDs semicirculares.

Inspirado nos kei cars japoneses, deve ter eficiência incrível, superando a difícil marca de 10 km/kWh.



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